A solidão forja mais que mil martelos
Sempre que estive a viver sozinho, estava em trabalho ou a
batalhar as dores de um coração partido - pelo divórcio e pela viuvez -, ou,
por cobardia e medo, empenhado em pôr cobro a essa mesma solidão.
Quem diz que é fácil, mente.
Emparelhar faz parte do projecto da maioria das pessoas que
conheço; não me lembro de alguma vez ter ouvido alguém, do meu grupo de amigos,
dizer: Eu, quando for grande, vou estar sozinho, inteiro, entregue aos meus
cuidados.
Todos nascemos com um cesto e uma seta e andamos a disparar
que nem doidos por relações afins. Com sorte uns “matam” e ficam, permanecem,
resgatam, encostam-se à carcaça do defunto, ou encontram, na seta espetada, a
carne mais tenra do seu amor. Conheço muito pouca gente que não comente em fim
de linha, puxa, porque é que a Anabela está sozinha? Porque é que o Francisco
não arranja ninguém? Parecem ter vidas felizes, consta que se bastam, mas os
casais desconfiam e os solteiros, sem vocação, não compram.
A solidão é uma porcaria. A solidão que fique para quem gosta
muito de gatos, é imagem de velhice proscrita, de pessoa que perdeu a senha.
Ficar-se só pelo miar, pelo roçar casuístico e o abanar da cauda feliz, não é
para mim. Eu ainda quero abanar tudo, a cama, o sofá, as ideias e os tapetes.
A solidão forja mais que mil martelos. É cristal polido,
diamante laminado. Se até aqui achavas que estavas só, agora é só mesmo
contigo. A solidão opera a um nível tão celular, que a singularidade que gera
deixa-te sem lugar. Eu, se fosse a ti, arranjava alguém. Mas depressa, porque
se o processo se inicia, há vícios de amor-próprio difíceis de se negar.
Ama antes alguém, acima de a ti mesmo.
E agora, com a vossa licença, vou procurar a minha esposa, a
melhor amiga, a melhor amante e a minha sempre, namorada.