Por ínvias razões, fala-se muito mais do direito que as pessoas têm a reclamar do que propriamente do dever de cidadania que é fazer com que tudo o que é mal feito, despropositado ou fora de regra chegue ao conhecimento de quem tem responsabilidades tutelares.
Se não quiserem pôr as coisas em termos de cidadania, ponham-nas em termos da qualidade dos consumidores que, não sendo a mesma coisa, para o caso vertente tem um razoável efeito prático semelhante.
De facto, se são muitos os que, volta em vez, argumentam e refilam em situações em que se sentem injustiçados, enganados ou maltratados e falam mais alto, dizem o que devem e o que não devem e aproveitam incidentes quotidianos para expulsar de uma assentada frustrações acumuladas, são muito poucos os que se dão ao trabalho de pedir um livro de reclamações, escrever uma carta ou mandar um mail em que o desconforto experimentado é alinhavado em meia dúzia de frases explicativas.
Os argumentos habituais para justificar a quase ausência de reclamações pensadas e escritas (em vez das múltiplas discussões de guichê ou quase insultos a funcionários cansados, mesmo que patéticos) vão desde o "não vale a pena, já que não acontece nada", ao "não tenho jeito para escrever", passando pelo extraordinário "tenho mais que fazer" e continuando por diversas fórmulas de medos, uns de represálias, que, sobretudo em prestações de serviços muito especializadas, pairam em fundo, outros de enfrentar funcionários hiperzelosos que não os têm.
O não hábito de reclamar da forma que está definida para o efeito propícia a distância brutal que existe entre a representação que vamos que vamos adquirindo pessoalmente sobre o funcionamento do nosso pequeno mundo, a partir das nossas próprias experiências e do que vamos ouvindo nos círculos em que nos movemos, e o que depois os serviços e as empresas propagandeiam a seu próprio respeito. Do ponto de vista delas, o cliente está sempre em primeiro lugar e um dos objectivos estratégicos, do grande banco à pequena mercearia de bairro, é de que percebamos que existem para nos servir e, nesse sentido, se preocupam connosco, pensam no nosso bem-estar e fazem tudo o que é possível para agradar. Para confirmar isso mesmo, têm as avaliações muito bem pensadas e suficientemente generalistas para caber quase tudo na categoria do "não se aplica" e, com que resta, terem umas estatísticas que são a prova provada da satisfação dos clientes.
Como entretanto não há queixas nem reclamações directas para justificar uma maior atenção, os reclamantes habituais entram directamente na categoria de "chatos" e descobrimos um dia, por acaso, que vivemos no melhor dos mundos porque ninguém se queixa.
Apetece-me um slogan: "Seja responsável, reclame!"
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