As muitas coisas que não podem acontecer e, no entanto, acontecem, informam-nos da fragilidade do mundo que fomos e vamos construindo.
É um mundo de equilíbrios delicados e de muito betão grosseiro, comandado por redes informáticas que colapsam porque um mteorito inconsciente rasou um satétile ou a energia eléctrica se vai abaixo por razões mais ou menos obscuras.
Somos tão complexos nuns assuntos como somos rudimentares noutros e caminhamos no fio da navalha com a leveza de quem não sabe, com rigor, o que faz, ou não mede, completamente, a extensão da consequência dos seus actos.
O que não pode acontecer, e no entanto acontece, diz-nos da exacta distância que existe entre o mundo conceptual, feito de ideias magníficas, de pensamentos organizadores e, normalmente, também grandiosos, e um mundo real atamancado como é possível.
O mundo real, ao contrário dos mundos conceptuais, não é um mundo do autor. Não tem um princípio, um meio e um fim, não ocorre em sequências lógicas, não possui estrutura narrativa, não se move carregado da louvada objectividade e nem sequer possui, as mais das vezes, uma qualquer direccionalidade.
O mundo real é um sítio estranho, mesmo que familiar, feito de paragens e de arranques bruscos, de evoluções, involuções e voltinhas para distrair, de desvios tortuosos, de negócios indizíveis. Dele, às vezes, apetece dizer que mais parece uma manta de retalhos mal amanhada.
O mundo real é um mundo de construção, desconstrução, criação e decadência permanentes e simultâneas. Um mundo que permite todas as desarrumações e desorganizações, mesmo as que não conseguimos imaginar.
As muitas coisas que não podem acontecer, e no entanto acontecem, como sejam alguns morrerem de fome ou de frio, com falta de assistência em situações extremas ou por mero desinteresse dos que estão à volta, servem para que todos os outros percebam a debilidade orgânica das nossas superestruturas hipersofisticadas. Mostram-nos a necessidade de ganharmos a distância emocional que permite a não transformação dos dias em exercícios catárticos entre a indignação, a revolta e a esperança, todas tão inconsequentes como sistemáticas.
As muitas coisas que não podem acontecer e, no entanto, acontecem e cobrem todas as instituições que criámos de ridículo e a nós próprios de vergonha, estão aí todos os dias a lembrarem-nos a nossa real dimensão.
Que é minúscula, é claro!
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