terça-feira, 21 de outubro de 2014

A fantasia da fuga

Uma das fantasias recorrentes das pessoas cansadas, fartas da vida que levam e de uma sequência de dias sem graça nem luz, é a de poderem fugir.
A fantasia da fuga não é só de crianças que se sentem mal-amadas ou de adolescentes zangados com limites que lhes tentam impor.
Também não tem que ver com aqueles que assumidamente querem partir em busca de uma vida melhor, de maior riqueza ou perseguindo um sonho que tem um nome e um destino certo.
Esta ideia, esta ida em fuga para um lugar distante, obedece ao pressuposto de que há um sítio algures em que é possível estar melhor ou até bem. Como se a distância ou a geografia encerrassem uma qualquer magia curandeira.
Os lugares de refúgio idealizados, contra todas as expectativas, não são praias turísticas nas Caraíbas, cidades futuristas, estâncias requintadas ou grandes metrópoles de encontro de culturas.
Os lugares de fuga, de reparação de dores íntimas ou de recuperação de sentidos de vida costumam ser sítios longínquos, não tanto pela geografia, mas sobretudo pela distância cultural, pelo arcaísmo estrutural ou pelo estado de desgraça geral.
Fugir para longe, procurar uma outra forma de estar é, paradoxalmente, quase sempre feito no sentido da busca de mundos pouco desenvolvidos e quase sem recursos.
Como se terras sofridas e gentes de baixa condição de vida permitissem valorizar o que se tem, o que se é, e passa despercebido ou é ignorado entre iguais.
Enquanto os que querem partir para um sítio determinado em busca de riqueza ou esplendor partem mesmo, os outros sonham acordados, imaginam incansavelmente e quedam-se no mesmo lugar, ameaçando a fuga, invocando o cansaço, inventando razões para ficar, descobrindo legitimidades claras para justificar partir.
Ainda assim, a fantasia da fuga, a ideia persistente de que há sempre uma porta de saída, um sítio que espera por nós e em que tudo ficará bem para sempre, não é uma inutilidade entre outras.
Pelo contrário, é o acreditar – ainda que leve, muito levemente – que se permanece porque se quer, que mais um dia ou dois talvez não façam grande diferença no eventual grande destino que lá longe se poderia ter, e serve de anteparo à frustração e de defesa a maiores depressões.
É sempre bom ter um lugar ou um sonho de recurso.


Joaquim Maneta Alhinho