Uma das fantasias recorrentes
das pessoas cansadas, fartas da vida que levam e de uma sequência de dias sem
graça nem luz, é a de poderem fugir.
A fantasia da fuga não é só
de crianças que se sentem mal-amadas ou de adolescentes zangados com limites
que lhes tentam impor.
Também não tem que ver com
aqueles que assumidamente querem partir em busca de uma vida melhor, de maior
riqueza ou perseguindo um sonho que tem um nome e um destino certo.
Esta ideia, esta ida em fuga
para um lugar distante, obedece ao pressuposto de que há um sítio algures em
que é possível estar melhor ou até bem. Como se a distância ou a geografia
encerrassem uma qualquer magia curandeira.
Os lugares de refúgio
idealizados, contra todas as expectativas, não são praias turísticas nas
Caraíbas, cidades futuristas, estâncias requintadas ou grandes metrópoles de
encontro de culturas.
Os lugares de fuga, de
reparação de dores íntimas ou de recuperação de sentidos de vida costumam ser
sítios longínquos, não tanto pela geografia, mas sobretudo pela distância
cultural, pelo arcaísmo estrutural ou pelo estado de desgraça geral.
Fugir para longe, procurar
uma outra forma de estar é, paradoxalmente, quase sempre feito no sentido da
busca de mundos pouco desenvolvidos e quase sem recursos.
Como se terras sofridas e
gentes de baixa condição de vida permitissem valorizar o que se tem, o que se
é, e passa despercebido ou é ignorado entre iguais.
Enquanto os que querem partir
para um sítio determinado em busca de riqueza ou esplendor partem mesmo, os
outros sonham acordados, imaginam incansavelmente e quedam-se no mesmo lugar,
ameaçando a fuga, invocando o cansaço, inventando razões para ficar,
descobrindo legitimidades claras para justificar partir.
Ainda assim, a fantasia da fuga,
a ideia persistente de que há sempre uma porta de saída, um sítio que espera
por nós e em que tudo ficará bem para sempre, não é uma inutilidade entre
outras.
Pelo contrário, é o acreditar
– ainda que leve, muito levemente – que se permanece porque se quer, que mais
um dia ou dois talvez não façam grande diferença no eventual grande destino que
lá longe se poderia ter, e serve de anteparo à frustração e de defesa a maiores
depressões.
É sempre bom ter um lugar ou
um sonho de recurso.
Joaquim Maneta Alhinho
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