Arrastamos
os dias como podemos e sabemos. Às vezes encarrilamos em tarefas que, de algum
modo, nos divertem; outras vezes sentimos desafios e entusiasmos; por vezes
ficamos entristecidos, zangados e infelizes; mas, genericamente distraímo-nos
com pequenos acontecimentos e afazeres que esquecemos mal terminam e parecem
não deixar qualquer rasto.
Os dias
correm com alguma monotonia, ainda que os mais hábeis aprendam a dosear as
quantidades certas da rotina que os tranquiliza e da novidade que os desperta e
inquieta.
Excepcionalmente,
muito excepcionalmente, alguns mergulham em estado de graça.
Vinda de um
confim qualquer, indizível e misterioso, chega à consciência uma espécie de
energia transformadora que faz a diferença.
Porque tal
acontece, tudo o que nos rodeia ganha uma nova e diferente profundidade e
nitidez. As cores, os odores, as formas, deixam de ser as conhecidas, as
vulgares de sempre e adquirem um tom brilhante como se um manto diáfano de belo
cobrisse tudo. As pessoas com que nos cruzamos parecem vivificadas, mais
interessantes, humanas e calorosas. As cidades, os prédios, as ruas, os
escritórios deixam-se também tocar por essa estranha graça que os transforma em
organismos quase vivos, claros e vibrantes. Os problemas por resolver, as
dúvidas do costume, as expectativas acalentadas e escondidas, de repente perdem
peso, perdem espaço. Uma inefável sensação de bem-estar impregna de leveza e
claridade o que pouco antes era amorfo, incolor e mesmo obscuro.
O corpo, o
nosso corpo, transforma-se num santuário de prazer. Um prazer beatífico mas
pungente que emana em todas as direcções e que, também ele leve e renovado,
consegue fazer as pazes com todas as antigas maleitas, todas as imperfeições,
todas as insuficiências antes conhecidas e experimentadas.
Alguns
associam este estado de graça a acontecimentos específicos como uma paixão
amorosa, uma gravidez muito desejada ou uma situação capaz de introduzir
ruptura com os sentidos habituais, como por exemplo a sobrevivência a uma doença
ou a acidente grave.
Outros sabem
que o estado de graça pode acontecer apenas porque sim, eventualmente para nos
fazer sentir que viver pode ser, além de um facto de natureza, uma dádiva única
que há que celebrar.
Joaquim Maneta Alhinho
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