quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Os esquecidos.


A triste sina dos idosos que são órfãos dos filhos.

Carinho e afecto estão para a alegria da alma, como o ar que respiramos está para a saúde do corpo. Nestas últimas décadas surgiu uma geração de pais sem filhos presentes, por força de uma cultura de independência e autonomia levada ao extremo, que impacta negativamente no modo de vida de toda a família. Muitos filhos adultos ficam irritados por precisarem de acompanhar os pais idosos ao médico, aos laboratórios de análises clínicas, aos exames radiológicos rotineiros. Irritam-se pelo seu andar mais lento e nas suas dificuldades de se organizar no tempo, na sua incapacidade crescente de serem ágeis nos gestos e decisões.
A ordem era essa: em busca de melhores oportunidades, vinham para as cidades os filhos mais crescidos e não necessariamente os mais fortes, que logo traziam os seus irmãos, que logo traziam os seus pais e moravam todos sob um mesmo tecto, até que a vida e o trabalho duro e honesto lhes propiciassem melhores condições. Homens, com olhos sonhadores, rememorava com saudade os tempos em que cavavam as terras e ali dormiam, cheios de sonho que lhes fortalecia os músculos cansados. Não importava dormir ao relento. Cediam ao cansaço sob a luz das estrelas e das esperanças.
A evasão dos mais jovens em busca de recursos de sobrevivência e de desenvolvimento, sempre ocorreu. Trabalho, estudos, fugas das guerras e perseguições, a seca e a fome brutal, desde que o mundo é mundo pressionou os jovens a abandonarem o lar paterno. Também os jovens fugiram da violência e brutalidade dos seus pais ignorantes e de mau génio. Nada disso, porém, era vivido como abandono: era rompimento nos casos mais drásticos. Era separação vivida como intervalo, breve ou tornado definitivo, caso a vida não lhes concedesse condição futura de reencontro, de união.
Assim como os pais deixavam e, ainda deixam os seus filhos nas mãos de outros familiares, ao partirem em busca de melhores condições de vida, de trabalho e estudos, houve filhos que se separaram dos seus pais. Em geral, porém, isso não é percebido como abandono emocional. Não existe esquecimento. Os filhos que partem e partiam, também assumiam responsabilidades pesadas de ampará-los e aos irmãos mais jovens. Gratidão e retorno, em forma de cuidados ainda que à distância. Mesmo quando um filho não está presente na vida dos seus pais, a sua voz ao telefone, agora enviada pelas modernas tecnologias, carrega a melodia do afecto, da saudade e da genuína preocupação. E os mais velhos nutrem os seus corações e curam as feridas das suas almas, por que se sentem amados e podem abençoá-los. Nos tempos de hoje, porém, dentro de um espectro social muito amplo e profundo, os abandonos e as distâncias não ocupam mais do que algumas vilas ou quilómetros que podem ser vencidos em poucas horas.
Nasceu uma geração de ‘pais órfãos de filhos’. Pais órfãos que não se negam a prestarem ajuda financeira. Pais mais velhos que sustentam os netos nas escolas e pagam viagens de estudo fora do país. Pais que cedem os seus créditos consignados para os filhos contraírem dívidas nos seus honrados nomes, que lhes antecipam heranças deixando-os muitas das vezes na miséria.



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