Os caminhos para a relação de cada
ser humano será o da aceitação, por decorrências de lugar, de educação ou de
adequação ao tempo; o outro será o da permanente tentativa para encontrar uma
razão para sistematizar o problema do nascimento da nossa muito específica
realidade, para se assumir uma linha de rumo que não esbarre na não resposta.
O primeiro grupo tem a vida
facilitada. Nascer e morrer num registo rotineiro perante uma qualquer religião
é cómodo, não nos cria problemas de consciência, não nos coloca perante
interpelações. É o princípio da felicidade pela ignorância. Normalmente há uma
circunstância que se observa no dia em que aparece a interrogação e a
consequência é deixar de acreditar.
A Igreja Católica, em que nos
confessamos de forma critica para que a cada dia não fique tudo na mesma,
foi-se construindo através de sucessivas teocracias. A ameaça do “turco”, a
salvação da alma através das maiores atrocidades, a implicação de um poder que
fez de Roma uma Santa Sé transformada em Estado, provocaram a reinvenção dos
artifícios rituais e das limitações individuais que, mesmo depois de se ter
confrontado com a realidade científica, continua a significar inflexibilidade.
A Santíssima Trindade, em que quero
acreditar, porque a fé é o nível superior da razão, não se confrontou, até ao
século XIII, com a necessidade de Santos, com a reconfirmação alucinatória de
aparições e de invenções. Ou seja, nos primeiros séculos do cristianismo
ninguém tentou incorporar oficialmente os deuses pagãos no cristianismo,
ninguém fez Santos para assomar militância à relação única com Deus através de
Jesus.
Os templos marianos que existem pelo
mundo não carecem da invenção das aparições ou das intervenções de Nossa Senhora.
Nem Lourdes sustenta as visões de Bernardette Soubirous, nem Santa Maria de
Montserrat transportou a Himler, em 1940, a bênção que impediria a 2.ª Guerra
Mundial, nem a Virgem de Meritxell voltou ao lugar onde teria sido encontrada
por três vezes, nem Nossa Senhora del Pilar apareceu ao apóstolo Santiago. E
há, ainda, a leitura da devoção a Maria Santíssima de forma profundamente
colonial, com a consagração da natividade da Virgem da Aparecida, através de
uma história infantil contada pelos padres José Alves Vilela e João de Morais e
Aguiar, no século XVIII, ambos da Companhia de Jesus.
Fátima é um templo mariano. Basta-se
com essa consideração. Elevar Maria é mais importante do que a expiação do
corpo através de sacrifício pelos joelhos sacrificados em sangue. Fátima é um
espaço mágico que não carece de histórias pueris para se afirmar, que se impõe
pela necessidade de uma recolha individual perante a intercessão de Maria
perante Deus.
As aparições, os segredos e, agora,
as canonizações, são um atentado à nossa inteligência e à nossa fé. Porque as
exposições históricas nos indicam o primarismo dos relatos, porque a existência
de um testemunho consagrado por três crianças ignorantes nunca se poderia
cumprir. Fátima foi construída, nas suas fundações, num tempo de
complementaridade com um regime, era necessária uma narrativa que a fizesse
acrescentar medo, obrigações e demissões de cidadania.
Neste mundo não há milagres por apelo
a anteriores viventes terrenos e não há, por isso, Santos.
Quanto aos ditos “pastorinhos”, o
Francisco era atrasado mental, a Jacinta uma menina doente que só sabia dizer
sim ou não. A Lúcia foi aconselhada pela mãe de dizer o que lhe aconselhara o
prior da aldeia. Estava proibida de falar em espelhos.
Este ano não se observaram 100 anos
da primeira aparição de Nossa Senhora aos pastorinhos; não se verificou
qualquer cumprimento de aniversário de uma mensagem que alguém inventou; não
pode, sequer, transformar-se a visita papal na criação de mais dois lugares na
constelação dos Santos. O que hoje se impõe é que Fátima se reinvente, que seja
o local de acolhimento perante Deus, que quem continua a seguir uma linha de
procura de um ser superior seja levado a uma inteligente opção pela fé.
O papa Francisco, mesmo que a
contragosto, veio a Fátima. Fez a sua parte. Não como Bispo de Roma, mas como
Chefe de Estado da burocracia vaticanista.
Fátima é um negócio como tantos
outros sustentados numa mentira.
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