Não! Não deveríamos envelhecer. Chegado os 90 anos dormíamos, para nunca mais acordar neste planeta, para não sermos humilhados quando mais precisamos de atenção, compreensão e carinho...
Já não sei em que data estamos, nesta casa não há calendários,
e na minha memória tudo está irremediavelmente revolto. As coisas antigas foram
desaparecendo. E eu também " fui-me apagando " sem que ninguém desse
conta. Ao crescer a família, trocaram-me de quarto. Depois, passaram-me para
outro menor ainda, acompanhada das minhas netas, agora ocupo aquele
"anexo" traseiro, no fundo do quintal.
Prometeram-me mudar o vidro partido da janela, mas
"esqueceram-se"... As noites
são frias e sopra por ali um ventinho gelado, que aumentam mais e mais as
minhas dores reumáticas.
Um dia, à tarde, dei conta que a minha voz tinha
desaparecido. Quando falo, os meus filhos e netos não me respondem. Conversam
sem olhar para mim, como se eu não estivesse ali. Às vezes digo algo,
acreditando que apreciarão os meus conselhos, mas nem me olham! Retiro-me para
o meu canto, antes de terminar o meu "café" deslavado. Agora sou
INVISÍVEL...
Estive três dias a chorar no meu quarto, até que numa certa
manhã, um dos netos entrou para guardar umas coisas velhas. Imaginem que nem
sequer "bom dia" me deu! Foi então que me convenci, de que sou mesmo
invisível.
Recentemente, os netos vieram dizer-me que iríamos passear ao
campo. Fiquei muito feliz, há tanto tempo que não saía daquele lugar!
Fui a primeira a acordar e a levantar-me. Quis arrumar as
coisas com calma, afinal, nós (os velhos) somos mais lentos, assim arranjei-me
a tempo de não os atrasar. De repente, todos entravam e saíam num frenesim
louco, correndo ruidosamente pela casa, atirando bolas e brinquedos para o
carro.
Eu já estava pronta e muito alegre, parei na porta e fiquei à
espera. Quando os vi partir, compreendi que não estava convidada, não fazia
parte dos planos, talvez porque, a lotação do carro estava esgotada.
Senti que o coração encolhia e o queixo tremia, como alguém
que tem vontade de chorar. Eu até os entendo, são jovens, sorriem, sonham,
abraçam-se, beijam-se... E eu?!?!?! Bem, eu... Antes beijava os meus netos,
adorava tê-los nos braços. Eram meus! Até cantava canções de embalar que já
tinha esquecido. Mas um dia...
Um dia a minha neta que acabara de ter um bebé disse-me: -
"Não é bom que os "velhos" beijem os bebés por "questões de
saúde". Desde então, não me aproximo mais deles, tenho tanto medo de
"contagiá-los"!
Definitivamente, tornei-me invisível…
Já alguma vez se sentiu invisível em algum lugar?
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