sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Onde o vento faz a curva


Não pretendo dizer quem fui nem que nome eu tive. De nada adiantará qualquer tentativa de apresentação, já que sou imaterial, não tenho mais o fôlego da vida, não existo mais. Morri há dois anos e desde então venho inexistindo, no vácuo que há entre aqueles com quem convivi de perto por muitos anos. Contudo, para mim o tempo não conta mais, porque não sou um ser vivo, sou apenas um sopro energizado e ninguém é capaz de me ver ou de me sentir, embora eu consiga ver todos com quem convivi quando eu era matéria e tinha um corpo. Posso assistir à continuidade da existência de cada um como se eu ainda estivesse entre eles e, na verdade, pelo menos para mim, eu continuo a estar no meio deles, apesar de não coexistir e eles não serem capazes de me ver ou de se aperceberem da minha presença.

E ao que assisto, nem vale a pena contar…Coitados!




segunda-feira, 25 de julho de 2022

O Vosso Espelho


 

Cheguei ao fim do caminho

As mãos cheias de nada

Os pés carregados de espinhos

A pele por demais enrugada.

 

As forças fugiram de mim

Ao meu encontro, as saudades

Neste mundo de cão

Invento pedaços de chão

Invento novas verdades.

 

Olho para dentro de mim

Vejo-me triste, moribundo

Sinto-me tão perto do fim

Sinto-me tão perto do fundo.

 

O meu olhar procura um outro olhar

E todos passam ao meu lado sem me ver

Já não tenho mais com quem falar

Os dias passam tão devagar

Eu já morri antes de morrer.

 

Sou velho, estou velho

Mas o meu coração ainda bate no peito

A vida passou de fugida

Eu já entorno a comida

Mas ocupo o meu lugar, por direito.

 

Sou velho, estou velho.

Não sou pedra, não sou muro

Sou apenas o futuro

Sou apenas: O vosso espelho.

 



sábado, 2 de julho de 2022

Falsos Profetas…

 

Falsos profetas são pessoas que pregam o que não vem de Deus. Os seus ensinamentos não são bíblicos e inventam profecias, sonhos e visões. Os falsos profetas enganam outras pessoas, e causam conflitos e confusões. 

Enquanto não vos ultrajarem, humilharem e roubarem não descansam. Vale tudo para serem detentores daquilo que não lhes pertence. Sugadores profissionais e excelentes vendedores de ideias.

E depois, o mais caricato, é que fazem tudo isto em nome de Deus.

A Bíblia diz assim, desta gentalha sem escrúpulos:

«Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm a vocês vestidos de peles de ovelhas, mas por dentro são lobos devoradores. Vocês os reconhecerão por seus frutos. Pode alguém colher uvas de um espinheiro ou figos de ervas daninhas? Semelhantemente, toda árvore boa dá frutos bons, mas a árvore ruim dá frutos ruins. A árvore boa não pode dar frutos ruins, nem a árvore ruim pode dar frutos bons. Toda a árvore que não produz bons frutos é cortada e lançada ao fogo. Assim, pelos seus frutos vocês os reconhecerão!»

Mateus 7:15-20




domingo, 26 de junho de 2022

O real valor das coisas

  

Um dia destes tropecei numa pequena história, plena de significado, que até me fez parar para pensar.

Tentando reproduzi-la o mais fielmente possível, contava a história de um homem que tinha uma linda propriedade, com uma casa nela inserida, e que pretendia vendê-la.

Lembrou-se então o dono dessa propriedade de pedir a um poeta seu amigo, que a conhecia bem, o favor de elaborar um texto para anunciar a sua venda. O poeta rabiscou rapidamente num papel o seguinte texto:

«Vende-se uma encantadora propriedade, onde, num extenso arvoredo cantam os pássaros logo ao amanhecer, e é atravessada por cristalinas águas de um belo rio. A casa nela existente é banhada pelo sol nascente, e oferece pela tarde sombras tranquilas nas suas varandas».

Passado uns dias, o poeta encontrou o amigo, e perguntou-lhe: “Então, já vendeste a tua propriedade?”

O homem de imediato respondeu-lhe: “Nem pensei mais nisso!! Depois de ter lido o que escreveste é que me apercebi da maravilha que possuo!!”

E assim acontece muitas vezes na nossa vida…

O grande segredo para se ser feliz é amar, valorizar e cuidar do que temos, mesmo que não seja tudo o que sonhámos ter.

O mundo descartável em que vivemos, tornou inevitavelmente o ser humano muito previsível: as pessoas querem tudo o que não têm, fartam-se facilmente do que conquistam, e infelizmente só dão valor depois de terem a consciência do que perderam.

O mundo consumista fala sempre no preço de tudo, mas raramente as pessoas sabem o real valor do que têm.

E, tal como o homem desta pequena história, que só deu valor ao que tinha depois do seu amigo, em 4 frases, ter descrito o paraíso em que vivia, também muitos há que não dão valor às pessoas importantes que se cruzam nas nossas vidas. Ainda que as estradas da vida nos levem por caminhos diferentes, nunca nos devemos esquecer de quem esteve ao nosso lado quando precisámos, ou de quem estará sempre, independentemente da distância física. Essas pessoas valem muito mais do que qualquer conquista material que se alcance na vida.

Quem não souber valorizar as pessoas realmente importantes, um dia, quando olhar para trás, estará inevitavelmente sozinho.

 

 



quarta-feira, 25 de maio de 2022

Condenado

Fui condenado a 2 anos de prisão.

Depois da sentença lida pela juiz do Tribunal de Setúbal, vieram dois policias delicadamente junto a mim e colocaram-me uma braçadeira plástica (qual algemas?) nas mãos, pediram desculpa e até perguntaram se estavam a magoar. Gente boa, pensei!

O destino era a prisão do Montijo. Confortavelmente sentado na carrinha, dei por mim a pensar que estava num luxuoso iate a curtir as suaves ondas do Rio Sado.

Chegado ao destino, fizeram-me assinar alguma papelada, deram-me a chave da cela, roupas novas a estrear e mostraram-me as instalações.

Durante o percurso apercebi-me de um silêncio asfixiante, muito similar ao barulho baixinho. Chegados ao pátio deparo com uns cinco “fregueses”. Uns estavam a ler, outros a rezar.

«Bonito serviço», disse para comigo.

Abeirei-me de um deles e perguntei em tom altivo: - «É pá, o que é que estás aqui a fazer, ó meu?»

- Respondeu-me baixinho: - «Estava à pesca no Rossio e trouxeram-me para aqui».

Dirige-me a outro e fiz a mesma pergunta. Respondeu-me entre dentes, que estava ali, porque «afiava facas e tesouras ao domicilio».

Viro-me para o agente/guia e perguntei: «Afinal isto é uma prisão ou um colégio?» Respondeu-me com um encolher de ombros. «Porra, aqui nem o guarda prisional fala…», exclamei em voz alta.

Eu nem queria acreditar no que estava a presenciar. Sentei-me no cadeirão verde instalado dentro de uma das balizas e dou por mim a pensar na alhada onde estava metido.

Lamentei-me diversas vezes, «isto não é vida para mim. É demasiado monótono e não vou aguentar muito tempo aqui. Esta não é a minha onda…»

Enquanto fumava um cigarro, chamei o guarda e mandei-o ir à minha cela buscar a aparelhagem e duas grades de cervejas médias que tinha no congelador.

Ai mãe, aquilo num ápice virou um pandemónio ao som dos “Metálica” e dos “Alcoolémia”. Gente divertida, aos pulos e sorridentes. Bonito de ver…

Inesperadamente, ouvi uma voz feminina aos gritos e só percebi uma frase, esta: «Parou…O que vem a ser isto, meus meninos?»

Dirigiu-se a mim, olhou-me dos pés à cabeça e perguntou: - «Quem é o senhor? O que está aqui a fazer no meu estabelecimento?»

Firme e hirto que nem uma barra de ferro, respondi-lhe: - «Trouxeram-me minha senhora, porque de livre vontade não vinha, acredite!»

«O senhor está a gozar com a Doutora Directora deste estabelecimento? Tenho ganho todos os anos o prémio de qualidade do estabelecimento com menos presos do mundo e os mais educados de sempre. Aqui, só entram prisioneiros de boa conduta, ouviu?» Acenei-lhe com a cabeça de forma afirmativa.

- «O seu processo?» - perguntou e respondi de pronto: - «Não tenho, nem o quero…Bolas!»

- «Afinal o que é que fez para estar aqui no meu estabelecimento?»

- «Chamei “chata” à minha 12.ª esposa, senhora Doutora Directora. As outras, não se queixaram porque estão ao serviço do Senhor e Ele não as dispensou. Que Deus as conserve em paz».

- «Ai é? O senhor é um desordeiro e não o quero aqui misturado com os meus meninos. Faça o favor de sair. Senhor guarda Bentinho, coloque o Senhor Joaquim na rua».

- «Agora, digo eu, ai é???? E vou viver para onde?

- «Para os “Diabos do Inferno”…» - replicou.

Apesar de não saber onde fica este local, dirigi-me para a saída. Os prisioneiros ao verem-me sair fizeram uma rebelião na prisão. Foram chamados ao local, a policia de intervenção, de choque, a especial, para colocar termo aos desacatos.

Por incrível que pareça é a segunda vez que sou expulso de uma instituição. 

A primeira, no Seminário de Vila Viçosa por ter levantado a saia a uma freira. Agora, não me querem na prisão por ser desobediente.

Que sina a minha, pá!

 



 

 

 

 

 

 

 

domingo, 20 de março de 2022

As saudades que tenho do meu pai

 

Entre a ausência e a presença que sinto todos os dias em cada passo que dou, invariavelmente, a saudade cobre-me com um manto de tristeza por todos os passos que passei a dar sozinho, sem a mão dada ou a passar-me pela cabeça, sem a palmadinha nas costas, sem o amparo das escorregadelas de quem pensa que tudo sabe. A falta que me fazem os conselhos sábios de quem viveu mil vidas!

Hoje sou o fruto de tudo o que ouvi e insisti em fazer o contrário, sou um acumulado de erros corrigidos pelas cábulas que escrevi durante os 35 anos em tive o melhor professor do mundo. Com o tempo, voltei atrás e fui fazendo a "revisão da matéria dada" baseada nos sumários de tempos idos onde os tópicos de uma educação exemplar começaram a fazer sentido a partir do momento em que eu, o aluno disciplinado, decidiu ser pai.

Tudo muda. A tecnologia, a moda, a arquitetura, os hábitos e tantas outras coisas mas, os valores e os princípios depositados nas velhinhas sebentas escritas e rasuradas, guardadas no fundo do baú, como se do rascunho da bíblia se tratasse, não mudam. Nunca mudam! As páginas que outrora pensei não me servirem, são hoje o meu manual de instruções nesta difícil caminhada da vida.

Revejo-me, orgulhosamente, na sombra do meu “Deus”!

Ensinou-me que os verdadeiros heróis combatem o ódio com amor. Mostrou-me que o "olho por olho" apenas faz de nós cegos poetas, de punho em riste, a tentar salvar rabiscos errantes de valores deturpados em mares revoltos de egoísmo.

As sebentas, essas continuaram a servir de índice ao que todos os dias tentei passar aos meus filhos. Infelizmente, não resultou…

Quando o senhor meu pai decidiu partir, escrevi-lhe na campa... "Pai, esta foi a única viagem que não pudeste contar-nos! A morte despiu-te de nós para vestir o teu humanismo!".

Quando eu morrer, escrevam na minha campa: "Aqui, jaz, o Joaquim, pai de três filhos, casado com Nanda Alves e filho de Domingos Alhinho, um homem digno que nunca se deixou vergar pelos valores deturpados que a sociedade lhe quis impor"!

Estamos juntos! Ámen, meu Pai!