- Não posso levá-lo no saco das compras…
- Não, claro!
- Tenho de chamar um médico?
- Para que serve isso? Ela morreu.
- Um médico ocupar-se-á de tudo o resto. Então?
- Então o quê?
- É necessário enterrar este corpo.
- Ia precisamente falar-lhe nisso, senhora Adelaide.
Duarte apoiou os punhos nas têmporas.
- É preciso que tudo se passe sem que ninguém o note…Nada de
escândalo. Ninguém verá a Raquel sair daqui.
- E então?
- Deixe isso comigo…
- Quer deixar esta mulher em qualquer parte?
- Não.
Duarte, enervado, pôs-se a andar de um lado para o outro:
- Pensei que seria melhor a Raquel desaparecer completamente
e ninguém saberá para onde. Ela saiu de casa no carro para ir à cabeleireira,
como ela dizia que fazia, e não voltou. Aliás, ela nunca aqui esteve na Pensão…A
senhora nunca a viu. Uma pessoa desaparecida, dissolvida como o gás ou como uma
nuvem de vento…Que pensa disto?
- E o senhor pensa que eu vou entrar no seu jogo?
Duarte parou. O suor brilhava-lhe na face.
A senhora Adelaide aproximou-se da cama, levantou um canto da
coberta acolchoada e olhou atentamente para o rosto da Raquel. «Um anjo
adormecido», pensou. Depois, rectificou esta sensação. Aquela não valia mais
que todas as outras mulheres que vão para a cama com homens de ocasião, outras
com amigos coloridos e ainda as que traem com os maridos das melhores amigas, tornando-se
todos infiéis.
Duarte, de pé contra a porta mordia o lábio inferior.
- Encarrega-se de a levar?
- Sim. Sem deixar vestígios…
- Eu negarei tudo, percebe? Não vi nada! Nunca lhes aluguei
um quarto. São-me totalmente desconhecidos…
- Ajude-me só a levar a Raquel. Como é que vai ser possível?
Conseguiremos chegar ao fundo da casa? Há outras saídas?
- Sim, pela lavandaria, no pátio. Terá de encostar a viatura
junto à porta.
O transporte da Raquel foi feito sem dificuldades, agora
pesava-lhe na consciência o destino a dar ao corpo. Não sabia que caminho iria
seguir…De repente lembrou-se do carro da Raquel que estava estacionado a três
ruas da pensão, local habitual para não levantar suspeitas.
Sentiu-se numa encruzilhada.
Olhou para o relógio e os ponteiros marcavam dezasseis horas
e quarenta e cinco minutos.
Num ápice veio-lhe à memória que a moradia arquitectada por
ele, na Aldeia de Irmãos, em Azeitão, que estava na fase de encher os cabocos. Os
funcionários do empreiteiro tinham saído às cinco horas da tarde. Chegado ao
local fez uma betoneira de massa forte com cascalho, justificando num papel
escrito deixado ao encarregado, que pretendeu fazer um teste durante aquele fim
de semana.
Certificou-se de que ninguém o estaria a observar em seu
redor e colocou o corpo da Raquel numa das valas. De seguida despejou toda a
massa de cimento por cima do corpo da sua amante e espalhou com uma pá o resto
da argamassa ao longo da vala.
Depois desta árdua tarefa sentiu-se aliviado.
- «Já está»! – pensou baixinho o Duarte.
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