A distracção é uma inefável característica que, desgraçadamente, não conseguimos usar a bel-prazer. Era óptimo sermos capazes de nos distrairmos quando a conversa não nos interessa; quando as preocupações, umas quaisquer, das mais sérias às mais mesquinhas, se resolvem instalar em nós, perturbar-nos o sono e transformar os dias em sobressaltos cansativos. Era uma maravilha podermos desligar a atenção, desinvestir os nossos costumeiros interesses e entretermo-nos a ver a chuva a cair, a erva a crescer, as pessoas a passar na rua com a simplicidade dos eventos sem história, que apenas acontecem, sem sombras nem máculas.
Era um previlégio flutuar no tempo e na vida sem necessidade de concentrações intensas e doloridas, sem esforços permanentes para fazer render mais, ou melhor, qualquer capacidade que nos dá de comer ou nos propicia um espaço de existência que consideramos adequado.
Queríamos todos ser competentes a distanciar pensamento e emoções que nos afligem.
Ás vezes, irritados com a hiperatenção que nos habita e nos coloca em zonas de tensão e contracção como se tudo à nossa volta fosse muito importante, muito definitivo; como se tudo o que nos cerca tivesse de ser minuciosamente observado e arquivado em memória, clamamos por um qualquer estado de ignorância, embotamento ou distracção que nos permitisse a entrada numa imaginária zona de absoluta tranquilidade.
Mesmo que critiquemos os que nunca prestam atenção, os que nunca dão por coisa alguma, os que parecem viver paredes-meias com uma outra realidade mais agradável ou colorida, os que perguntam constantemente o que se passa para no momento seguinte já estarem longíssimo e alheados, temos sempre um momento em que suspiramos por uma genuína capacidade de desleixo selectivo e deliberado.
Quando nos zangamos, o que para quase todos é uma circunstância muito mais recorrente do que gostariamos, juramos a pés juntos que vamos deixar de nos ralar; que vamos adoptar uma atitude leve e descontraída; que no próximo milénio (ou pelo menos na próxima semana) nos vamos conseguir desligar de tudo o que nos mantém tensos, inquietos, responsáveis e muito preocupados.
Desgraçadamente, parece que estamos condenados a distrairmo-nos quando não queremos com o que não dá jeito, não parece útil ou não resulta frutuoso.
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